O FRANGO

Tirou o primeiro pedaço da coxa, rasgando a carne morta com os dentes e introduzindo-a na escuridão do tecido conjuntivo. Mastigava de boca aberta. A carne se lavava de saliva. A luz entrava, fazendo ali pequenos clarões, como raios diluídos de uma tempestade, até deslizar pelo o esôfago e se perder na flor do estômago.

- O que tu tá fazendo?
- (com a boca cheia e as palavras vazias) comendo, não tá vendo?
- tô vendo, mas o que que tu pensa que tá fazendo?
- Nada demais...

Ela não levou um susto com aquela cena escatológica. Apenas reclamou, como quem depreende argumentos com outro alguém que deixa a cama desarrumada, ou com alguém que deixa a comida descoberta á ventura do frio, com quem sai e deixa a porta aberta, e no caso corrente, com quem caga e come ao mesmo tempo.

- O que tu pensa que tu ta fazendo?
- nada...
- Tu pensa que isso é bonito?
- Tu quer o quê, hein? Que eu coma, cague e ainda te olhe na porta do banheiro?
- O banheiro não tem porta, por que se tivesse...
- Tu abria do mesmo jeito, por que é mal educada...
- Mal educada, olha quem mal consegue falar, por que ao mesmo tempo que fala, engole e.. e.. evacua!

Era estranho para ela continuar aquele assunto tão vicioso como o ciclo reprodutivo de uma ameba.

- Tu devia colocar uma porta nesse banheiro pra poupar os outros das tuas manias.
- Tu devia temperar melhor esse frango, puta frango ruim de merda, (cuspindo alguns grão de arroz ao falar) Além do bicho não ter alma, ainda não tem sal!

Ele não poderia pensar numa retruca melhor do que essa que se passou agora pouco, a mulher saiu, não tinha mais nada o que falar, só bastava cobrir as panelas, arrumar a cama, trancar a porta, mas eis que de repente ele acha um cabelo refugiado entre o arroz e o pescoço da galinha.

- (Se levanta com pressa par mostrar a mulher o que descobriu) Puta merda, olha aí!
- (Se assustando com a nudez inusitada de quem estava no banheiro a fazer necessidades e sai sem nenhum tipo de barulho que faça pensar que pessoa terminou o que estava a obrar) O quê?
- Um fio de cabelo da tua cabeça, ou sei lá da onde!
- Não deu nem descarga, seu porco!
- Vim só pra mostrar o fio seboso dentro da comida, tá aqui, ó! Merda de comida sebosa essa...
Enquanto o casal trocava acusações voláteis, o prato de comida, mal apoiado da tampa do vaso sanitário, caiu se prendendo na espécie de funil que vai diminuindo a largura até chegar à água que se posta no fundo. Com a tendência da inércia, o pescoço, o osso da coxa, uma perna inteira e resto do arroz, fizessem honras às fezes e lá se tornaram isotópicas, como os átomos de mesma família...

- Olá teu prato! Há! Caiu no vaso! Há hha!
- Tava melhor cagar do que comer...
- É melhor ter o bucho cheio do que o intestino vazio!
- Dá no mesmo no final! Quer saber, perdi a vontade de cagar! Tu não vai comer, não?
- Tô sem fome!

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